segunda-feira, 23 de outubro de 2006

Cobertores de lã

…Não sei se preguiçoso ou se covarde,
Debaixo de meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã…
(Samba e Amor, Chico Buarque 1969)

A péssima arquitetura que vemos pelas nossas ruas é o resultado de fatores variados, pressão do mercado imobiliário; falta de cultura e informação dos clientes; crises econômicas; baixos orçamentos e por aí segue a lista…

Para piorar, para alguns arquitetos tudo está muito bom e muito bem. As curvas desconexas (o “chanfro” dos nossos dias – e só colocar umas curvas na fachada que está tudo resolvido…) só embelezam nossas cidades, juntamente com os NEOs e com outras arquitetices e ainda se justificam, dizendo que é impossível fazer melhor em um país como o Brasil…

Penso um pouco diferente, está sobrando preguiça e covardia nos nossos ateliês de arquitetura.

Por mais que soframos pressão do mercado, que nossos clientes não sejam tão informados quanto gostaríamos que fossem e que tenhamos baixos orçamentos para nossas obras, não há o que justifique a mediocridade arquitetônica e a falta de refinamento estético que encontramos nas nossas ruas.

Edifícios com plantas pouco pensadas, fachadas pobres, volumetrias aborrecidas, inserções urbanas lastimáveis, falta de preocupação quanto à orientação solar, uso inadequado de linguagens e dos materiais, etc, etc, etc²…

Ou temos faculdades de arquitetura muito ruins (o que acredito não ser o caso, pois a produção acadêmica é bastante boa – pois basta ver o resultado dos concursos Opera Prima e CSN) ou cada dia mais temos arquitetos escondidos sob seus cobertores de lã.

domingo, 15 de outubro de 2006

O cliente sabe o que quer?

No inicio deste ano (2006) eu passei por uma das situações que nas conversas de bar do tempo da faculdade eu mais temia, um amigo me visitou no ateliê para que eu lhe fizesse o projeto de uma nova pizzaria em Caxias do Sul, até ai tudo bem, o problema estava nas fotos e nas referências que este amigo me trouxe, é difícil de acreditar, mas havia imagens desde castelos até casas neo-vitorianas (existe isso?) e por mais que eu tentasse lhe convencer que aquele não era um bom caminho a ser seguido, que suas referências não eram boas e que eu não faria um projeto com aquelas bases, mais e-mails ele me enviava com novas idéias, nos mesmos moldes das anteriores, sempre justificando que a sua pizzaria já estava no mercado a mais de 20 anos e que não poderia ter nada que chocasse ou causasse estranheza aos seus clientes (como se um castelinho não causasse estranheza…).

Pois bem, comecei o projeto e captei que o que o cliente desejava não era a linguagem formal dos castelos ou das casas com torres e telhadinhos para neve, o que ele desejava era uma imagem de tradição. Uma imagem que representasse os mais de 20 anos de existência do seu restaurante tipicamente italiano. E com isso em mente comecei a fazer exatamente o que o cliente havia me solicitado, mas do meu jeito.

O resultado foi um projeto de linguagem contemporânea composto por três prismas retangulares de alturas diferentes, sendo o mais alto composto por dois pavimentos onde no térreo abriga as cozinhas e a copa; o mais baixo abrigando o salão principal e o de altura intermediária, um volume de madeira que abriga na sua parte frontal a sala de espera e recepção, no seu centro os sanitários e na sua parte anterior um pequeno salão para eventos que pode ficar interligado ao salão principal, ampliando a capacidade do restaurante para mais de 120 pessoas.

Em contraponto às linhas retas e formas puras da arquitetura contemporânea quase a totalidade dos materiais de construção empregados e de acabamento foram provenientes de demolições de velhas casas da região da serra gaúcha. Os tijolos, as madeiras, os barrotes de sustentação do telhado e as aberturas pivotantes foram todas reaproveitadas de velhas construções de arquitetura tradicional italiana, inclusive com a particularidade da porta de entrada principal e sua bandeira com vitral multicolorido serem da antiga casa dos pais do proprietário, onde o mesmo se criou.

Somado a isso a ambientação ficou a cargo do proprietário, que é um colecionador compulsivo de objetos de antiguidade, dos mais variados tipos, desde cartazes de propagandas antigos até lampiões e ferramentas quase seculares, objetos estes que tomaram conta do espaço interno da edificação criando um clima aconchegante e impar.

Moral da história, os clientes não sabem realmente o que eles querem e é função do arquiteto mostrar as possibilidades de um projeto e conduzi-lo da maneira mais adequada possível. Hoje meu cliente diz que ele nunca imaginou sua pizzaria assim, mas vendo ela pronta não faria de outra maneira.

Algumas vezes temos a oportunidade de intervir e abrir um leque maior de possibilidades que o cliente sequer imaginava e isso está na nossa função como arquiteto, é muito simples e cômodo colocar a culpa no cliente ou no mercado para isentar nossa incompetência profissional. Abaixo algumas imagens do que era para ser um castelinho.)



segunda-feira, 9 de outubro de 2006

El mundo cabe en una mirada?

Caminando por Rosario,
dando vueltas por ahí
caminando por Rosario
siempre vuelvo a sonreír.
Es que me hace tan bien
no lo puedo explicar
dar mil vueltas por Rosario
pegadito al Paraná.

É declarando seu amor pela sua cidade natal que o canalla Fito Paèz encerra seu novo disco El mundo cabe en una canción. Fito fala da sua cidade e trás a tona sentimentos de alegria que para ele talvez baste fechar os olhos e onde ele esteja, seja Madrid, NY ou Porto Alegre ele sinta o cheiro do rio e se sinta novamente em Rosário, onde ele sempre volta a sorrir.

Todos têm um lugar assim, para alguns basta fechar os olhos para sentir-se em casa, o lugar onde reafirmamos nossas certezas, para outros basta fechar os olhos para estar na beira da praia com os amigos mais queridos a sua volta, o que importa é que basta fecharmos os olhos para saltarmos os muros que nos rodeiam com os pequenos problemas do cotidiano e que nos separam da vida que realmente vale a pena.

Meu lugar especial, não tem nome ou talvez tenha tantos que não valha a pena lembrá-los, é um lugar onde eu encontro os rostos, sorrisos, gestos, palavras, momentos, paisagens, músicas e livros que me marcaram e principalmente é o lugar onde sempre encontro meus amigos e as pessoas que eu amo e que me amaram, basta fechar os olhos que estão todos lá, às vezes basta fechar os olhos que eu volto a sorrir.

Qual a relação disso com a Arquitetura? Toda! É impossível fazer arquitetura sem passarmos por estes lugares que sem sabermos explicar como, guardam todas nossas boas lembranças e não há Arquitetura sem um traço de amor, sem um risco de carinho, se Fito fosse arquiteto seria caminhando por Rosário que ele faria sua obra prima.

[Esse texto é dedicado ao meu avô Jacob Lerner, que sempre que eu fecho os olhos está lá para me abraçar e me ajudar a encontrar o caminho do bem, saudades vô.]



croqui emborrachado de la puente de las mujeres-BsAs- é só fechar os olhos que eu estou lá… abrazo Mencho, abrazo Latino, pronto nos veremos