quarta-feira, 22 de junho de 2011

E.1027 + Le Corbusier, a história de uma foto.


Não adianta tu me dares o teu romance para eu ler... eu já sei que vou odiar... porque odeio ler textos ruins... e se por acaso ele for bom... vou odiar igual... porque também sou escritor e odeio quando leio um texto melhor do que os meus...
É mais ou menos assim que o Hemingway do Woody Allen responde ao escritor Gil Pendler quando este lhe pergunta se ele se importa em ler o seu manuscrito. Pendler é um roteirista de Hollywood que está passando uns dias de férias em Paris com a sua chatérrima noiva... e é o protagonista de Meia Noite em Paris o novo filme do pai do Zelig. 
E diga-se de passagem, um baita filme!!! O realismo fantástico no qual o cara que gosta de enteadas faz o espectador mergulhar é dotado de uma magia impar.... não tem como dizer que a Europa não fez um bem enorme à ele... desde Match Point ele não lembro de um filme dele que seja ruim... antes pelo contrário, Vicky Cristina -por exemplo- é uma obra de arte... mas eu não vou escrever sobre o filme... vou deixar esse Momento Pipoca para o desaparecido Gabriel... e quem sabe até o filme reprisar na Sessão do Tarde o nosso amigo tem a dignidade de retornar ao blog... volta Gabrielito!!!
Buenas, retornando à fala do Ernest do filme... ele complementa o diálogo dizendo que um escritor não deve pedir opiniões sobre o que escreve à outro escritor... pois a competição, mesmo que inconsciente, sempre vai existir... e é aproveitando essa passagem do filme que eu vou contar a história da foto abaixo... 
Le Corbusier, além de vândalo, exibicionista... 
Para quem ainda não foi apresentado, esse senhor com a bunda de fora é o Le Corbusier... arquiteto franco-suíço que ajudou a mudar a história da arquitetura moderna... talvez alguns saibam que a enorme cicatriz que ele tem na perna direita é fruto da hélice de uma lancha que o acertou enquanto ele nadava e quase tirou a sua vida... mas será que todos sabem onde o marido da dona Yvonne (que na verdade se chamava Jeanne Victorine) foi flagrado pintando um mural com as vestes que Deus lhe deu? 
Para entender toda a história primeiro temos que conhecer um carinha chamado Jean Badovici, ele estudou arquitetura em Paris após a Primeira Grande Guerra... mas foi como editor da revista L’Architecture Vivante que ele realmente se destacou. Publicada entre 1923 e 1932 a revista foi peça importante na divulgação e crítica da arquitetura moderna... Badovici gostava muito de vinhos tintos e de mulheres mais velhas e foi entre uma garrafa e outra de Cabernet que ele começou um romance com a arquiteta irlandesa Eileen Gray... filha de uma rica família que desde 1902 vivia em Paris e tinha 15 anos a mais que Badovici... desse romance, em 1924, nasceu o projeto de uma casa de férias na Riviera Francesa, à beira mar... mais precisamente em Roquebrune.... a casa E.1027.
O nome E.1027 é um código numérico para as iniciais dos pombinhos: E (Eillen) 10=J (Jean), a décima letra do alfabeto... na mesma linha, 2=B (Badovici) e 7=G (Gray).... a casa também é conhecida como Casa Branca. Finalizada em 1927, com uma planta flexível e aberta a casa se integra naturalmente ao belo entorno e se percebe na prática o resultado de um obcecado trabalho da autora em estudar e entender a incidência do sol e dos ventos sobre o terreno nas diferentes estações do ano... uma arquitetura mais orgânica e funcional.... 
Eileen era a amante de Badovici... já se destacava há tempos pelos seus projetos de mobiliário... mas ela não era um Às... e Le Corbusier era... devido ao trabalho de Badovici como editor ele e o arquiteto franco-suiço se tornaram amigos próximos e vários foram os  verões que o Corbu e a dona Yvonne (que ele chamava carinhosamente de Vonvon) passaram na E.1027...  
Corbusier, Yvonne e Badovici... tomando um tinto na E.1027
Quando Corbu, pela primeira vez, esteve na casa ele ficou encantado... escreveu uma carta à Eileen dando os parabéns pelo projeto magnifico e pela capacidade que ela de utilizar a arquitetura para maximizar a paisagem e valorizar o entorno, elogiou o desenho do mobiliário... o Hemingway do Woody diria para ela ficar com o pé atrás perante os elogios do colega... e isso seria o melhor que ela teria a fazer...


Devagarinho o encantamento pela E.1027 se tornou uma obsessão na vida do Corbusier... ele e Yvonne usavam mais a casa do que os proprietários... e com a separação de Badovici e Gray, em 1932, isso se tornou ainda mais freqüente... até que em 1937 Le Corbusier (então com 50 anos de idade), com o aval do amigo Badovici, começa a pintura de uma série de oito murais nas alvas paredes da casa... trabalho o qual ele finaliza depois de dois anos e que rende a memorável imagem dele nú pintando... 
Antes de iniciado o trabalho de restauração.... vaso ruim não quebra, o mural estava em ótimo estado
A reação de Gray não poderia ter sido muito diferente... ela classificou os murais de Corbu como um ato de vandalismo contra a sua obra e pediu educadamente que os murais fossem retirados pois feriam o espirito do projeto.... os murais não só permaneceram como Corbusier publicou fotografias da casa e dos murais dizendo que ele estava dando vida à paredes tristes onde nada acontecia... e para completar não deu os créditos do projeto à sua autora deixando em aberto o entendimento de que aquele seria um projeto seu... para a Ms. Gray sobrou comemorar durante a Segunda Guerra quando ela soube que os soltados alemães ocuparam a casa e utilizaram um dos murais para fazer tiro ao alvo... 
Em 1951 Corbusier constrói próximo à E.1027 sua Petit Cabanon e no dia 27 de agosto de 1965, aos 78 anos, ele morre durante um banho no Mediterrâneo e seu corpo é encontrado nas rochas próximas à E.1027....  quanto à morte de L.C. existe a versão de que ele estava sofrendo de depressão e em um dia ruim tirou toda sua roupa e se jogou no mar sem ter o objetivo de voltar... 
Sobre a E.1027: ela chegou a estar em estado de ruína e abandono, mas a municipalidade de Roquebrune-Cap-Martin e o governo francês a compraram e desde 2008 ela passa por um processo de restauração.... e infelizmente, devido à um ponto de vista histórico, o vandalismo invejoso de Le Corbusier deverá ser mantido. 

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Parco della Musica di Roma :: Renzo Piano

Um dos três cascudões do Renzo
Foi grande a vontade que eu tive de aproveitar o dia dos namorados e escrever um texto com paralelos e interseções entre relacionamentos e arquitetura... ou até escrever sobre pessoas ligadas à arquitetura que foram casados, namorados... casos de paixões, reais ou platônicas.... Charles e Ray Eames... Affonso Reidy e Carmen Portinho... Éolo Maia e Jô Vasconcelos... Philip Johnson e Mies van der Rohe... 
Também pensei que poderia escrever sobre os arquitetos que acabaram ultrapassando a barreira profissional com suas clientes.... Frank Lloyd e Mamah Cheney.... Edith Farnsworth e Mies (olha ele aí de novo)...  
Os ganchos que eu tinha para aproveitar a efeméride eram vários, mas no final achei que um cara que há meses está sozinho não tem moral para usar o dia dos namorados como gancho... então esperei chegar o dia de Santo Antonio e como o bendito casamenteiro não me inspira nenhum gancho, vou escrever sobre arquitetura mesmo.... 





A seta amarela é a Via Flaminia, por onde eu vinha caminhando desde a Piazza del Popolo... o círculo azul é o MaXXI... o círculo vermelho é o Parco della Musica e o círculo laranja é o estádio olímpico.,, a obra redonda entre o Parco e o MaXXI é o Palazzetto dello Sport, obra do Nervi para as olimpiadas de 1960.
O último texto pseudo-arquitetônico foi sobre o MaXXI Museu, obra da Zaha em Roma e neste texto em comentei que conheci o MaXXI em uma rica tarde ensolarada na cidade das sete colinas e que havia chegado ao museu após uma caminhada subindo a Via Flaminia desde a Piazza del Popolo e que durante essa caminhada eu tive duas boas surpresas, um  Renzo e um Nervi... hoje vou escrever sobre o genovês.
Vista sob o viaduto Flaminio, o cucuruto de um dos auditórios dando ar de vida para um viajante desavisado

Acho que a primeira vez que ouvi falar sobre o Renzo Piano foi em uma aula de Tópicos de Arquitetura do professor Henrique Rocha. O Henricão foi um dos meus bons professores, um professor "de mercado"... ele é titular do escritório Santini e Rocha, responsável por todos os projetos de novos prédios no campus da PUC.RS (entre outras coisas) e um apaixonado pela arquitetura.... uma vez por semana tínhamos a aula de Tópicos, que nada mais era do que um primeiro contato com o mundo arquitetônico... centenas de diapositivos (segunda palavra bacana do texto, é pra combinar com efeméride) de obras arquitetônicas... as aulas do Henricão foram o inicio de uma importante repertorização e foi em uma dessas aulas que um dia apareceu o clássico centro Pompidou, parceria do Renzo Piano com o Richard Rogers... bah, como aquelas fotos me impressionaram... eu não entendia muito bem o que eram todos aqueles tubos do lado de fora... não entendia, mas gostava.
Espécie de loggia levando à Cavea, um anfiteatro romano que fica entre as três salas de concerto e funciona também como um grande lobby à céu aberto... rodeado por oliveiras.

Desde 1997 o tempo passou.... com o tempo passei a entender as figurinhas que o Henrique mostrava... devorei livros e revistas (fica a dica, os blogs e sites são interessantes, mas nada substitui o papel), meu repertório cresceu consideravelmente... e é uma alegria cada vez que eu encontro ao vivo uma das figurinhas que estudei!!! 

E foi isso que aconteceu quando eu subi a Via Flaminia em direção ao museu da Zaha... de repente, não mais de que de repente... vejo à minha direita o Palazzetto dello Sport, um ginásio projetado pelo Pier Luigi Nervi para os jogos olímpicos de 1960 (em uma próxima postagem falo sobre isso)... me aproximei dele... tirei umas fotos... e nova surpresa, atrás de um viaduto eu vejo o cantinho de uma cobertura de chumbo... se via realmente um pouquinho, mas o suficiente para eu saber que ali tinha algo.... parecia com a minha afilhada Sophia quando se esconde, mas na verdade que ser vista... quer ser encontrada....





Vista da sala principal (Santa Cecilia), que tem capacidade para 2800 pessoas... sob ela a arquibancada do anfiteatro romano, a Cavea.

Me aproximando encontrei uma espécie de loggia que me levou à um anfiteatro romano circundado por três grandes besouros (ia chamar de escaravelho, mas aí resolvi me conter... efeméride e diapositivo já está de bom tamanho...) ao redor várias oliveiras... bah, por acaso estava eu dentro de mais uma figurinha... o Parco della Musica, um complexo formado por três salas de concerto (Petrassi, Sinopoli e Santa Cecília, respectivamente com capacidade para 700, 1200 e  2800 pessoas) em forma de cascudos... mais: áreas de uso comum e administrativas (livraria, café, escritórios...), quatorze salas para ensaios e aulas de música e a Cavea, um anfiteatro romano com capacidade para mais 2.800 pessoas que também funciona como se fosse um grande foyer à céu aberto, uma praça de acesso... que naquela rica tarde ensolarada estava tomado por pessoas que lanchavam, almoçavam... tomavam um chianti... um espaço público com vida e uso.
Vista aérea do complexo, foto descaradamente roubada do site do arquiteto.
O ambiente era muito bom, o sol inspirava uma pausa e o horário do almoço já tinha passado... mas era novembro, cada minuto de sol era sagrado e eu ainda tinha que chegar no MaXXI... resisti bravamente à tentação e segui minha visita... agora pela parte interna... 

Não encontrei um foyer bem definido, existem grandes circulações e escadarias sob a base dos besouros... o tijolos predominam e a qualidade executiva da obra impressiona. Tentei e não consegui visitar uma das salas principais, (mas nos links do fim do texto tu podes encontrar várias imagens delas) e como pedindo, de forma educada e civilizada, para visitar alguma das salas eu não tive sorte eu não tive outra alternativa que não partir para uma segunda via... tinha viajado muito para um italiano desdentado me dizer não... então vi um grupo de estudantes saindo de um corredor com seus instrumentos encaixotados.... não pensei duas vezes, fiz a minha melhor cara de "Ho dimenticato il mio trombone" e segui pelo mesmo corredor... o que encontrei foi uma das 14 salas de ensaio... e diga-se de passagem, que bela sala de ensaio!!!
qualcuno ha visto il mio trombone?
Antes que alguém descobrisse que além de eu não ter esquecido nenhum trombone eu também não sei diferenciar um trombone de um violino eu saí pelo mesmo caminho e dando uma última volta na área interna encontro uma surpresa... mais uma! Um pequeno museu arqueológico com o mobiliário todo atirantado... pra variar, belíssimo!!! 





Museu arqueológico







Daí alguém vai perguntar, por que diabos um museu arqueológico dentro de um complexo como esse? A resposta é simples... ROMA!!! Qualquer lugar que tu inventares de cavar um buraco tu vais encontrar algo com centenas de anos... e neste local não foi diferente, durante a preparação do terreno encontraram alicerces de uma villa do século VI a.C. e o arquiteto genovês adaptou o seu projeto (isso custou um ano ao cronograma da obra) para preservar o sitio arqueológico e também criou o espaço para um pequeno museu que expõe maquetes e informações sobre a villa e também alguns artefatos encontrados na escavação.

Alicerces de uma villa do século VI a.C. preservados dentro do complexo
Ainda dei mais uma volta pela área externa... subi as arquibancadas do anfiteatro e fui logo abaixo das grandes cascas que cobrem as salas de música... (ok, seguia buscando um caminho alternativo para entrar em uma das salas...) e não é que fui surpreendido mais uma vez! A estrutura das coberturas é construída com um misto de madeira laminada colada e tubos metálicos... lindo demais!!! 
Vista da estrutura de sustentação da cobertura, madeira laminada colada e aço.
E terminou aí a minha visita à obra do Renzo Piano... saí muito impressionado com a qualidade do complexo arquitetônico, com a sensibilidade na implantação, com o esmero construtivo... e principalmente, saí encantado por ver um espaço público e cultural sendo plenamente utilizado... esse foi um dos dias fáceis de perceber o abismo que há entre a realidade do nosso país em relação à realidade dos países desenvolvidos... sob este aspecto, nosso presente é triste e nosso futuro não parece ser muito distinto.
Panorâmica do conjunto
Salvo a foto aérea e a imagem do google todas são de minha autoria e se elas forem úteis podem utilizá-las sem fazer cerimônia... se indicar o crédito eu fico faceiro, mas se não der para indicar eu não vou ficar triste.


Para mais informações sobre a obra:
http://www.rpbw.com/ - site do escritório do arquiteto 
http://www.auditorium.com/ - site do complexo


P.S.: Peço perdão por algum erro de português, alguma frase desconexa ou diagramação ruim... faltou tempo para revisar a postagem com calma, mas prometo que durante a semana tiro uma horinha para fazer isso.