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A clássica composição das fotos do revolucionário Le Corbusier - seus óculos e seu chapéu- no terraço da Savoye |
Há algum tempo li um interessante artigo chamado Piuttosto visionario..., escrito por Brian Taylor no inicio dos anos 80 e publicado na revista Ressegna. Ele fala sobre Corbusier e um dos seus clientes, o empresário Henry Frugès, que o contratou para projetar um conjunto de casas de baixo custo em Pessac... e este artigo começa mais ou menos dizendo o seguinte:
Podemos afirmar tranquilamente que os clientes de Le Corbusier acreditavam nas suas idéias como ele as propunha de forma abstrata. Então eles se deparavam com o produto final e este invariavelmente custava mais do que o previsto e tinha graves problemas construtivos e de manutenção depois de terminado. (Livre tradução feita por mim, que mal e mal domino o idioma de Camões).
Para quem conhece um pouco da história do movimento moderno isso não é nenhuma novidade, eles eram mais do que Arquitetos, eram revolucionários e não há revolução sem vítimas... em muitos casos as vítimas eram os clientes. Isso vale para o Corbu, para o Frank Lloyd, para o Mies, para o Oscar... como diz o Chico, procurando bem todo mundo tem pereba... (só a bailarina que não tem).
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Criatura e criador |
E uma das vítimas da revolução foi o casal Pierre e Eugénie Savoye, infelizes proprietários de uma das mais felizes casas modernistas... que segundo descreveu Corbusier o casal era livre de idéias preconcebidas e queriam uma casa de verão que estivesse “na última moda”... e ainda segundo o arquiteto, lhe deram carta branca...
No outono de 1928 o casal Savoye procurou Le Corbusier e pediu uma casa de campo que deveria ter um quarto de hóspedes, garagem (nos anos 20 isso era um luxo) e uma pequena casa para um zelador... o primeiro estudo foi apresentado algumas semanas depois, porém a casa ter um custo de 785 mil francos assustou os clientes, que pensavam em gastar pouco mais da metade deste valor...
Corbu chamou Pierre Jeanneret, seu primo e sócio, e ambos se dedicaram a enxugar o projeto original... reduziram a área, aumentaram a quantidade de pilares do pilotis para assim aliviar a estrutura, tiraram alguns elementos (o balcão em balanço no terraço da cobertura foi um deles), reorganizaram a planta e o resultado final foi um projeto completamente diferente do primeiro, mas orçado em 350 mil francos... Os clientes adoraram a nova previsão de custo, mas a senhora Savoye gostava mais do primeiro projeto... o resultado disso, de volta à prancheta...
No inverno de 1929 foi apresentado aos clientes o projeto final, orçado em 560 mil francos e finalizada em 1931 o seu custo efetivo foi de 815 mil... a desculpa (de guri de colégio) do L.C. é que não estavam computados no seu orçamento a construção da casa do zelador, o paisagismo, a construção dos acessos e outros itens importantes que estavam presentes no projeto...
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croqui do primeiro estudo para o terraço jardim da Villa Savoye |
Fora ter extrapolado o orçamento a casa apresentou diversos problemas construtivos, sendo os mais graves relativos à impermeabilização da laje de cobertura (a cada chuva a casa inundava) e às rachaduras que apareceram nos encontros da estrutura de concreto com as paredes de alvenaria... Corbusier costumava considerar o cliente apenas um meio para realização da sua arquitetura (vide o seu texto “Os olhos que não vêem) e pouco se importou com os problemas de habitabilidade.
A paciência do casal Savoye se esgotou e a relação cliente-arquiteto se tornou inviável, há registro de troca de correspondência hostil até os fins dos anos trinta, então veio a segunda Guerra e salvou o arquiteto de um grande processo judicial, mas não salvou a casa... primeiro foram os nazistas que a ocuparam, depois foram os aliados... quando a guerra acabou pouco restava da casa com fenêtres en longueur...
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Tirem as crianças da sala... a decrepitude de um ícone |
Ao fim da guerra a madame Savoye, que havia se mudado para uma pequena propriedade rural próxima à Poissy, passa a usar as ruínas da Villa como estábulo e no pátio planta batatas... para os amigos ela dizia que um dia o seu filho mais velho iria restaurar a casa e ali viver com a sua família.
Em 1959 a prefeitura levanta a possibilidade de demolir a casa para ali construir uma escola, isso gera uma série de protestos, liderados pelo próprio Corbusier, e o então ministro da cultura Andrá Malraux (um herói para os modernistas) intervém e salva a casa. Em 1965 ela é finalmente declarada monumento histórico nacional.
Depois disso ela passou por três restaurações: a primeira finalizada em 1967, a segunda ocorrida entre 1985 e 1993 e a última terminada em 1997. Esta foi fortemente criticada, pelos mais puristas, por haver sido reconstruído de forma diferente do original diversos elementos da obra, o que acabou mascarando os problemas construtivos e apagando da história as gambiarras que foram feitas nos anos vinte para materializar o minimalismo construtivo tão sonhado pelos modernistas, porém tão distante do conhecimento construtivo da época...
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Visitando a Villa em um clássico outono europeu. |
Apenas na minha terceira visita à Cidade Luz eu tomei vergonha na cara e fui até a Villa de Poissy, que é aberta à visitação e recebe alguns milhares de visitantes por ano, mas isso vou deixar para um próximo texto...
As imagens em preto e branco que ilustram essa postagem foram retiradas do livro Le Corbusier Le Grand, ed. Phaidon, a imagem colorida é uma das minhas figurinhas de viagem.
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