segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Momento Pipoca: Diário Proibido


Belén Fabra, a despudorada Val em "Diário Proibido".
Vamos ser honestos: Quando se faz um filme baseado em um best-seller autobiográfico escrito por uma ninfomaníaca, é virtualmente impossível tapar o sol com a peneira. Se, por algum motivo, a crueza gráfica de uma história dessa natureza precisar ser, digamos, “amenizada” ao transformá-la em filme, é melhor nem fazê-lo. Por outro lado, em se tratando de um enredo com uma riqueza de detalhes como é o caso do livro escrito por Valérie Tasso, sucesso de vendas em diversos países, o outro extremo também não deixa de ser um desafio: Evitar que a obsessão da protagonista pelo sexo banalize o erotismo e acabe por fazer qualquer esforço artístico ir por água abaixo, deixando a produção ao nível daquelas pérolas que costumam passar em vários canais da TV aberta e fechada nas altas horas da madrugada.
Procurando equilibrar essa “balança”, o novato diretor espanhol Christian Molina encarou a bronca e o resultado pode ser conferido em várias salas de cinema no Brasil. Em cartaz de norte a sul do país, “Diário Proibido” (tradução mais “user-friendly” do original “Diário de una Ninfómana”) deixa bem claro o esforço em busca desse equilíbrio delicado, com resultado razoável, a despeito de diversas críticas desfavoráveis e alguns ataques puritanos descabidos.
Val (a deliciosa - e razoavelmente competente - Belén Fabra) leva uma vida de exageros. Na agitada Barcelona, beirando os 30, sem parceiro fixo, diverte-se rotineiramente – e rotativamente - com uma gama de “amigos” de forma insaciável, começando a experimentar os sintomas de um certo vazio sentimental. Registra suas peripécias em um diário e tem como confidente – ainda que de forma seletiva, já que lhe poupa das passagens mais “calientes”, a avó (a veterana Geraldine Chaplin), com quem passa temporadas na França.
Alheia às críticas da amiga e colega de trabalho que funciona como uma espécie de “grilo falante”, depois de demitida pelos constantes atrasos devido a noites extenuantes, os problemas parecem começar a se resolver quando ela conhece, por fim, um homem “pra chamar de seu”: Jaime (o argentino Leonardo Sbaraglia, em atuação curta mas deveras convincente) – Executivo bem-sucedido, boa pinta, cavalheiro, embora não seja lá exatamente um “atleta” entre quatro paredes. Val logo cede aos mimos do apaixonado Jaime e o namoro chega meteoricamente à fase de juntar os trapinhos. Fase esta em que logo o príncipe vira sapo, se revelando possessivo, de humor instável - e imprevisível, e hábitos não muito ortodoxos, incluindo o consumo ocasional de um certo pozinho branco, pra animar.
Desiludida, deprimida à beira do suicídio e endividada após a inevitável separação, e como se a história até ali já não fosse contundente o suficiente, Val resolve corajosamente se engajar numa atividade para a qual muitos diriam que ela nasceu pronta: A prostituição. Em um bordel de luxo, tocado pela cafetina Cristina (Angela Molina, outrora bela, acabada demais para os seus 54 anos), passada uma fase de euforia inicial onde faz o que mais gosta – e ainda é paga por isso, alguns episódios nefastos, inevitáveis na dura rotina de uma garota de programa, irão trazê-la de volta à realidade, quando finalmente fará uma retrospectiva de seus erros e acertos, acabando por concluir que o melhor a fazer é mesmo... ser ela mesma.
E acho que foi aí que muita gente se decepcionou: Ao não fazer qualquer juízo de valor sobre a promiscuidade extrema da fogosa Val – que a fazia feliz, no entanto – limitando-se a documentá-la de forma veemente e com riqueza de detalhes, o filme, segundo resenhas que li, "deixou a desejar". Devem ter sentido falta da derradeira lição de moral tradicional, na linha “o crime não compensa”, presença obrigatória nas produções norte-americanas, o que não é o caso aqui. Em que pese o fato de a ninfomania ser uma compulsão, documentada, com diagnóstico e tratamento previstos na literatura médica – o que é ignorado na história, onde é tratada como um “preconceito” por parte dos homens, a quem caberia, exclusivamente, o direito de “passar o rodo”, sem dever explicações à sociedade, o filme salva-se, em parte pelas atuações competentes do elenco e pela direção dedicada, que passa trabalho para evitar a vulgaridade em meio à massiva presença de fortes cenas de nudez e sexo, com relativo sucesso. E haverá, é claro, quem se delicie com o desfile de Belén Fabra pra lá e pra cá, dona de uma beleza comum, cotidiana (que desfaz o estereótipo da ninfomaníaca “popozuda”), nua ou seminua por, pelo menos, uns 40% dos 95 minutos do filme.
Não custa avisar: É um filme chocante, escolha bem o momento e a companhia. Vi um casalzinho pós-adolescente entrar na sala com a maior pinta de que ele a estava levando ao cinema pela primeira vez – ou seja, naquela fase em que os gostos e os limites ainda são um grande mistério. Na saída, o previsível: ela (que era meio certinha, é verdade, com aquele jeitinho de estudante de direito) completamente passada, e ele no “modo avestruz” (procurando um lugar pra cavar um buraco e enfiar a cabeça).
Isto posto, vale o preço do ingresso. Bom proveito.
P.S.: Ah, claro... a arquitetura! O Momento Pipoca não busca necessariamente alguma correspondência com o tema, vide a descrição do blog ali em cima. Mas, de alguma forma, nesse caso ela está lá, com uma participação especialíssima de Jean Nouvel. O portentoso loft neo-moderno comprado por Jaime para servir de “ninho de amor” ao recém-casal tem vista para o infame “pau preto”. Bem, esse é um dos muitos apelidos que recebeu a Torre Agbar, contribuição “fálica” de Nouvel para o skyline barcelonês, que o Luciano já visitou – e documentou por aqui. Para uma ninfomaníaca... nada mais apropriado e inspirador.

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