domingo, 14 de outubro de 2012

Una tapa preparada por suizos :: CaixaForum [Herzog & de Meuron, Madrid]

No traigas a este lugar aflicciones o problemas, ¡Déjalos en casa!. Y, si olvidado los traes, sal, mira al cielo y vuelve a entrar, dejando en la puerta estos. Este lugar es solo de alegría y amigos, se prohíbe la estancia en él a los que no respeten esta norma.
(Texto lido na parede de um tradicional bar de tapas madrileño)

Estava anoitecendo quando desembarquei na estação de Atocha. Um par de anos antes eu havia estado em Barcelona, mas aquela era a minha primeira vez em Madrid... Com a mochila nas costas e arrastando uma pequena mala de rodinhas caminhei cerca de oito ou dez quadras até encontrar o bed and breakfast que havia reservado pela internet... lugarzinho com preço bacana, instalações honestas e localizado impecavelmente na Calle de Atocha: metrô quase na porta, vários restaurantes ao redor, há alguns minutos de caminhada do Paseo del Prado e ao lado de um respeitável cinema pornô... 

Tão logo pude me dediquei ao mais divertido esporte espanhol, Salir de Tapas!!! A tapa nada mais é do que um petisco, uma pequena porção de comida que obrigatoriamente deve ser acompanhada por uma bebida, geralmente vinho ou cerveja... ouvi diversas versões sobre a origem do termo, mas a que mais me convenceu é que antigamente quando tu pedias uma bebida em uma taberna vinha sobre o copo um pedaço de pão ou de presunto cru para evitar que moscas caíssem ali... depois de beber a pessoa comia essa tapa... 
Praça coberta
Salir de Tapas, ir de tapeo ou simplesmente tapear é um esporte simples que consiste basicamente em entrar em um bar, se dirigir ao balcão (o tapeo legítimo se faz em pé), pedir dois ou três tipos de tapas, jogar conversar fora e partir para o próximo bar onde o ritual vai repetir... assim segue a noite: caminhando pela cidade, conhecendo gente e lugares novos, comendo tapas e bebendo...

E foi nessa Madrid que eu visitei a CaixaForum, um centro cultural fruto da intervenção projetada em 2003 pelos suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron em um pavilhão industrial compostos por duas grandes naves paralelas com fachadas construídas em tijolos à vista, base em pedra e oitões marcando seus telhados em duas águas. Uma estrutura que abrigou a Central Eléctrica de Mediodía e que possuía as características da arquitetura industrial espanhola do fim do século XIX.
Central eléctrica de Mediodía, antes de receber a tapa dos suíços
Apesar da coincidência com a Tate Modern, que também é uma intervenção realizada pelo Herzog & de Meuron em uma usina elétrica desativada, o arquitetura da CaixaForum Madrid não lembra em nada a elegante e minimalista intervenção realizada nas terras da rainha.

A base construída em pedras foi completamente desmanchada e deu lugar a uma espécie de praça coberta com um forro de formas geométricas muito parecidas com as que os suíços projetaram para o edifício que foi sede do Forum Universal de Barcelona, abaixo dela foram construídos dois subsolos para abrigar auditório e salas de conferência. 
escada do acesso principal
As paredes em tijolos foram conservadas, o telhado foi removido e no seu lugar foi construído um volume em aço corten de dois pavimentos onde se encontram uma grande sala de exposições, um café e também a área administrativa. 

Externamente a imagem do projeto é controversa. Dá a impressão que o programa de necessidades solicitado pelos espanhóis era muito extenso para o tamanho do prédio pré-existente e os suíços acabaram com a ingrata missão de servir um peru em um pires, mas não sei se isso é o suficiente para justificar o peso e a desproporção da volumetria final que resultou da duplicação da altura do prédio e da tentativa de fusão do novo com o antigo utilizando um material tão pouco etéreo quanto o aço.
café - cobertura
Já internamente o resultado é sensacional. A escada branca de forma irregular afunilando desde o último piso em direção ao subsolo... a luz que entra pelas chapas perfuradas de aço corten e formam sombras rendadas... a experimentação dos materiais... a geometria das aberturas... tudo está no lugar certo e forma um conjunto ímpar. 

A subversão da lógica ao remover a base e deixar o maciço parado sobre o vazio, criando um espaço público-privado, como se fosse mágica é um gesto arquitetônico de enorme qualidade... porém a maneira contundente que nova arquitetura se apresenta, a sua falta de proporção, condenou a velha usina à viver como um Frankstein urbano. Um mutante de bom coração que faz cara feia para que as pessoas que por ali passam não se esqueçam que os covardes, aqueles que se escondem sob o lugar-comum, não serão criticados, mas nunca farão a diferença.


•Fora a imagem do prédio antes da intervenção todas as outras são de minha autoria e podem ser utilizadas à vontade. 

•Livre tradução do texto que abre a postagem: Não traga para este lugar aflições ou problemas. Deixe eles em casa! Se por esquecimento os traz, saia, olhe para o céu e volte a entrar, deixando estes na porta. Este lugar é somente para alegria e amigos, se proíbe a permanência para aqueles que não respeitem essa norma.
foyer - subsolo
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quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Por favor, façam silêncio :: Tate Modern [Herzog & de Meuron, Londres]

“Viajas para reviver teu passado? - era, a essa altura, a pergunta de Kan, que poderia também ser formulada assim: Viajas para encontrar teu futuro?
E a resposta de Marco: Os lugares são um espelho em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu ao descobrir o muito que não teve e não terá”
(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis)

Cada vez que coloco o pé na estrada eu me dou conta que podem caber em uma vida muitas vidas mais... a cada fronteira que passo percebo que tudo é futuro, que tudo está por fazer e que os caminhos que te levam a parte alguma e os que te levam à sonhar chegam a um mesmo ponto: todo o dia é um recomeço...

E foi nessa peregrinação interminável que eu de repente me vi caminhando no meio da pista do aeroporto de Rotterdam para embarcar em um Fokker 50 com destino à Londres. Para quem não sabe o Fokker 50 é um turbo-hélice holandês com capacidade para mais ou menos cinquenta passageiros... um ônibus com asas que me dava o privilégio de desembarcar no London City, às margens do Tâmisa, praticamente no centro da cidade, o que me permitiu em poucos minutos deixar minha bagagem no hostel e começar a recorrer uma cidade que há menos de uma década havia inaugurado uma série de obras, projetadas em meados dos anos 90, com objetivo de comemorar o novo milênio que estava por vir.
Essas obras foram idealizadas pela Millenium Comission e pagas com recursos da loteria nacional, entre elas estão a famosa London Eye; o problemático Millenium Dome do Richard Rogers, que até hoje tem goteiras... a polêmica Millenium Bridge, projetada pelo sir Norman Foster e que sob o risco de cair teve que ser interditada para receber reforços que não constavam no projeto original... e também a Tate Modern, um museu que custou 135 milhões de libras e se tornou um dos mais importantes Millenium Projects, recebendo em 2011 quase cinco milhões de visitantes.
A história da Tate começa em 1947 quando o arquiteto Gilles G. Scott -o mesmo que foi autor das famosas cabines vermelhas dos telefones públicos ingleses- projetou um enorme pavilhão com estrutura metálica e tijolos aparentes, que de certa forma nos remete a uma imagem meio Déco... meio industrial Vitoriania, para abrigar a Bankside Power Station. Uma usina de energia que foi desativada em 1963 e que apesar da localização privilegiada (hoje, graças à ponte do Foster, cerca de 10 minutos caminhando desde a catedral de St. Paul) não passava de um pavilhão industrial abandonado em East End, assim como os que encontramos em muitas cidades brasileiras.

Em 1995 foi realizado um concurso internacional para escolher o projeto de um novo museu de arte contemporânea e este contou a participação de arquitetos como Renzo Piano, Rem Koolhaas, Tadao Ando, Rafael Moneo. Pelo regulamento o terreno, devido à sua localização e dimensões, era mais importante que o prédio do Sir Gilles e portanto a demolição dele estava liberada... alternativa que foi levantada pelo arquiteto David Chipperfield que propunha a demolição parcial do prédio. Já a dupla de suiços, até então pouco badalada, Jacques Herzog e Pierre de Meuron considerou que não fazia sentido retirar uma montanha para construir uma planície e teve a sensibilidade de perceber que além da qualidade arquitetônica e espacial o prédio existente já fazia parte da paisagem urbana e propuseram uma intervenção minimalista... esse foi o acerto da vida deles, ganharam o concurso e seis anos depois levaram o Pritzker pra simpática Basiléia.

Externamente a intervenção no prédio original só é notada pela grande caixa de vidro que longitudinalmente coroa o prédio e que à noite, quando iluminada, marca a paisagem de Londres. Internamente os arquitetos trabalharam com três espaços principais, o primeiro é o enorme vazio central onde funcionavam as turbinas da usina e que foi transformado em uma espécie de praça coberta; o segundo é um bloco de galerias composto por pavimentos que abrigam salas para exposição intercaladas por espécies de varandas que se abrem para a praça interna; o terceiro são os dois pavimentos que formam o coroamento, onde estão o café, o restaurante e algumas salas administrativas. 

Essa é uma obra que impressiona pela sua elegância e sutileza. É um belissimo exemplo de como a arquitetura contemporânea pode ser ser marcante sem a necessidade de exageros formais como os que temos visto ilustrando as capas das revistas... não é a forma que falamos que muda o conteúdo do que dizemos e o silêncio, muitas vezes, pode mais do que um grito.

Mais informações sobre a Tate, inclusive sobre a duvidosa ampliação também projetada por Herzog & de Meuron.

Como acontece geralmente, as imagens são todas de minha autoria e não tenho nenhuma frescura quando ao uso delas.

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terça-feira, 28 de agosto de 2012

Traço de Arquiteto :: Villa Church [Le Corbusier, 1927]

Villa Church - Le Corbusier, 1927 :: Fonte - FLC
Há muito tempo atrás tínhamos uma séria-série chamada Traço de Arquiteto, onde publicávamos aqui desenhos feitos por arquitetos consagrados para os seus projetos... 

O objetivo dessa séria-série era de mostrar que o papel e a caneta (lápis, lapiseira e afins...) são e sempre foram fundamentais para a vida de um Arquiteto e quem sabe com isso estimular o uso dessa ferramenta pelos mais jovens e também por aqueles que são old school, mas que viraram preguiçosos desenhistas de mouse... 

Hoje damos seguimento à essa série com um desenho feito pelo Le Corbusier, uma vista interna do pavilhão de música da Villa Church, um projeto belíssimo e que é menos estudado do que deveria... quem sabe eu não faço um post sobre ele.

Para quem quer outros episódios da séria-série é só dar um clique no link abaixo:

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domingo, 19 de agosto de 2012

Uma Pequena História sobre uma Grande Casa [Villa Savoye :: Poissy]

A clássica composição das fotos do revolucionário Le Corbusier - seus óculos e seu chapéu- no terraço da Savoye

Há algum tempo li um interessante artigo chamado Piuttosto visionario..., escrito por Brian Taylor no inicio dos anos 80 e publicado na revista Ressegna. Ele fala sobre Corbusier e um dos seus clientes, o empresário Henry Frugès, que o contratou para projetar um conjunto de casas de baixo custo em Pessac... e este artigo começa mais ou menos dizendo o seguinte: 

Podemos afirmar tranquilamente que os clientes de Le Corbusier acreditavam nas suas idéias como ele as propunha de forma abstrata. Então eles se deparavam com o produto final e este invariavelmente custava mais do que o previsto e tinha graves problemas construtivos e de manutenção depois de terminado. (Livre tradução feita por mim, que mal e mal domino o idioma de Camões).

Para quem conhece um pouco da história do movimento moderno isso não é nenhuma novidade, eles eram mais do que Arquitetos, eram revolucionários e não há revolução sem vítimas... em muitos casos as vítimas eram os clientes. Isso vale para o Corbu, para o Frank Lloyd, para o Mies, para o Oscar... como diz o Chico, procurando bem todo mundo tem pereba... (só a bailarina que não tem).
Criatura e criador 
E uma das vítimas da revolução foi o casal Pierre e Eugénie Savoye, infelizes proprietários de uma das mais felizes casas modernistas... que segundo descreveu Corbusier o casal era livre de idéias preconcebidas e queriam uma casa de verão que estivesse “na última moda”... e ainda segundo o arquiteto, lhe deram carta branca...

No outono de 1928 o casal Savoye procurou Le Corbusier e pediu uma casa de campo que deveria ter um quarto de hóspedes, garagem (nos anos 20 isso era um luxo) e uma pequena casa para um zelador... o primeiro estudo foi apresentado algumas semanas depois, porém a casa ter um custo de 785 mil francos assustou os clientes, que pensavam em gastar pouco mais da metade deste valor... 

Corbu chamou Pierre Jeanneret, seu primo e sócio, e ambos se dedicaram a enxugar o projeto original... reduziram a área, aumentaram a quantidade de pilares do pilotis para assim aliviar a estrutura, tiraram alguns elementos (o balcão em balanço no terraço da cobertura foi um deles), reorganizaram a planta e o resultado final foi um projeto completamente diferente do primeiro, mas orçado em 350 mil francos... Os clientes adoraram a nova previsão de custo, mas a senhora Savoye gostava mais do primeiro projeto... o resultado disso, de volta à prancheta... 

No inverno de 1929 foi apresentado aos clientes o projeto final, orçado em 560 mil francos e finalizada em 1931 o seu custo efetivo foi de 815 mil... a desculpa (de guri de colégio) do L.C. é que não estavam computados no seu orçamento a construção da casa do zelador, o paisagismo, a construção dos acessos e outros itens importantes que estavam presentes no projeto...
croqui do primeiro estudo para o terraço jardim da Villa Savoye
Fora ter extrapolado o orçamento a casa apresentou diversos problemas construtivos, sendo os mais graves relativos à impermeabilização da laje de cobertura (a cada chuva a casa inundava) e às rachaduras que apareceram nos encontros da estrutura de concreto com as paredes de alvenaria... Corbusier costumava considerar o cliente apenas um meio para realização da sua arquitetura (vide o seu texto “Os olhos que não vêem) e pouco se importou com os problemas de habitabilidade.

A paciência do casal Savoye se esgotou e a relação cliente-arquiteto se tornou inviável, há registro de troca de correspondência hostil até os fins dos anos trinta, então veio a segunda Guerra e salvou o arquiteto de um grande processo judicial, mas não salvou a casa... primeiro foram os nazistas que a ocuparam, depois foram os aliados... quando a guerra acabou pouco restava da casa com fenêtres en longueur...
Tirem as crianças da sala... a decrepitude de um ícone
Ao fim da guerra a madame Savoye, que havia se mudado para uma pequena propriedade rural próxima à Poissy, passa a usar as ruínas da Villa como estábulo e no pátio planta batatas... para os amigos ela dizia que um dia o seu filho mais velho iria restaurar a casa e ali viver com a sua família.

Em 1959 a prefeitura levanta a possibilidade de demolir a casa para ali construir uma escola, isso gera uma série de protestos, liderados pelo próprio Corbusier, e o então ministro da cultura Andrá Malraux (um herói para os modernistas) intervém e salva a casa. Em 1965 ela é finalmente declarada monumento histórico nacional.

Depois disso ela passou por três restaurações: a primeira finalizada em 1967, a segunda ocorrida entre 1985 e 1993 e a última terminada em 1997. Esta foi fortemente criticada, pelos mais puristas, por haver sido reconstruído de forma diferente do original diversos elementos da obra, o que acabou mascarando os problemas construtivos e apagando da história as gambiarras que foram feitas nos anos vinte para materializar o minimalismo construtivo tão sonhado pelos modernistas, porém tão distante do conhecimento construtivo da época... 
Visitando a Villa em um clássico outono europeu.
Apenas na minha terceira visita à Cidade Luz eu tomei vergonha na cara e fui até a Villa de Poissy, que é aberta à visitação e recebe alguns milhares de visitantes por ano, mas isso vou deixar para um próximo texto... 

As imagens em preto e branco que ilustram essa postagem foram retiradas do livro Le Corbusier Le Grand, ed. Phaidon, a imagem colorida é uma das minhas figurinhas de viagem.

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sábado, 28 de julho de 2012

Mudando a paisagem...


Não lembro se já contei para vocês, mas meu pai é engenheiro civil. Formado há 45 anos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Não escondo a grande admiração que tenho por ele, não apenas como profissional, pois além de ser um baita engenheiro o Gordo é um pai sensacional e uma pessoa incrível... e desde de criança eu ouço ele me citar um trecho da mais famosa música do Geraldo Vandré:

“...Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...”
Há alguns anos atrás, um pouco desgostoso com a carreira de arquiteto-projetista eu sai da minha zona de conforto e deixei de esperar acontecer, me tornei um micro-incorporador e assim passei a ter controle sobre todo o processo. Comecei construindo um conjunto de quatro sobrados geminados em Caxias do Sul... destes eu passei à um segundo conjunto de casas geminadas, dessa vez três unidades triplex... hoje estou executando as obras de um pequeno edifício de apartamentos e já tenho na prancheta a minha próxima incorporação. 

Em todos os casos eu escolhi o terreno, fiz o estudo de viabilidade financeira, desenvolvi o projeto arquitetônico e parte dos projetos complementares, quantifiquei os materiais e fiz os orçamentos, contratei a mão de obra, executei a obra... e pra finalizar ainda fiz as vendas... devagarinho vou dominando a arte de bater o escanteio, correr para a área e cabecear... 
Eu não gosto muito de escrever sobre a minha produção, me sinto como aquele colega que escreveu o Guia de Arquitetura Contemporânea e incluiu mais de uma de suas próprias obras (de linguagem nada contemporânea)... mas sei que vários estudantes de arquitetura chegam até este blog e acho que compartilhar a minha experiência pode ser um jeito de mostrar que o arquiteto pode (e talvez deva) fazer a hora e ser protagonista na mudança da paisagem de nossas cidades.  
A minha primeira experiência eu relatei aqui: http://arquis.blogspot.com.br/2009/05/nao-eu-nao-morri.html e agora vou falar um pouco sobre a minha segunda experiência (ou seria experimentação?)... 

Enquanto eu tocava as obras das primeiras casas eu via logo cedo que os primeiros raios de sol iam direto à uma encosta não muito longe de onde eu estava construindo... uma das partes mais altas do bairro... terrenos com topografia difícil e super valorizados pelos privilegiados proprietários... 
Depois de um tempo de procura e negociações consegui um terreno com uma das melhores vistas e insolação... orientação leste-oeste, com aproximadamente 12 x 27, um desnível de 9 metros de frente à fundos e 2 metros de um lado ao outro... a condição para o proprietário do terreno negociá-lo é que mediante ao pagamento de uma diferença ele ficaria com um dos imóveis e este deveria ter dois dormitórios... 

Eu já havia definido que seguiria com casas geminadas, ainda estava embriagado pelas minhas recentes visitas aos novos bairros da periferia de Amsterdam onde os terrenos são super estreitos e mesmo assim aproveitados com uma arquitetura de primeiríssima linha... fora isso o meu capital de giro não permitia construções muito maiores (tenho orgulho de ter recebido, através meus pais, uma excelente educação e à partir dela ser um self made man)...
Pela largura do terreno o máximo que eu conseguiria seriam 3 unidades, uma já estava definida -seria de dois dormitórios- as outras duas eu defini que seriam de três dormitórios para assim maximizar o VGV (Valor Geral de Vendas)... com isso somei às condicionantes do terreno a busca por uma unidade arquitetônica mesmo com unidades de diferentes tamanhos.

Além disso o terreno tinha uma característica interessante, estava localizado em uma rua sem saída e devido à topografia a fachada dos fundos seria vista ad aeternum por quase todo o bairro... ou seja, a fachada dos fundos se tornaria a principal e as casas deveriam se abrir para ela para aproveitar a vista e o sol da manhã.
Para fechar com chave de ouro havia o condicionante mais duro de todos: resolver a equação custo x arquitetura... os detalhes que compõe a boa arquitetura nem sempre custam pouco e a obra em um terreno com topografia tão acidentada já não seria algo barato... e como eu não sou uma organização sem fins lucrativos eu deveria ter sempre em mente que LUCRO = PREÇO DE VENDA - CUSTO... o preço de venda é definido pelo mercado, logo o único elemento sobre o qual eu tenho controle é o custo.

O resultado foi uma planta de três pavimentos, na qual o nível inferior abriga a garagem, a área de churrasqueira, a lavanderia, um terraço que acessa o pátio e um lavabo; no nível térreo cozinha, sala de estar/jantar; no nível superior os dormitórios e os banheiros. Respeitando a topografia as casas foram escalonadas ao decorrer do terreno e há uma escada no fundo de cada uma delas que dá o acesso do nível inferior ao pátio.
A solução volumétrica é basicamente três volumes em balanço que estão emborcados em um volume principal... sobre este volume principal três reservatórios individuais, sob este volume principal uma base revestida com salpique, que remete à um acabamento típico da arquitetura vernacular da região. 

O resultado final me agradou bastante, claro que dentre as experiências tem aquelas que não serão repetidas, mas no geral esse projeto me parece um bom exemplo de como um arquiteto pode ser feliz por conta própria.
As fotos eu que tenho não são as melhores, várias delas são do período de obras e todas elas foram tiradas com o meu celular, mas assim que for possível providenciarei uma boa sessão fotográfica.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

"Desenha no céu... usa a ponta do dedo e desenha no céu..."

Sei que tenho uma dívida por ainda não ter dado continuidade às velhas sérias-séries, como a do meu TFG... mas confesso que nos últimos dias ando sem a menor inspiração para escrever pseudo-coisas-sérias... e como esse blog -às vezes- precisa de algum movimento, então vou contar uma histórinha curta e pessoal...
Quem acompanha o blog sabe que sou um adepto dos desenhos à mão livre como principal ferramenta no desenvolvimento de projetos arquitetônicos... hoje na minha mesa do escritório eu tenho um copo com um monte de lápis e um estilete para mante-los sempre apontados e é com eles que vou dos primeiros traços até os detalhes executivos dos meus projetos... claro que à lápis eu desenvolvo esboços e rascunhos que depois vão sendo lapidados com a precisão e com a facilidade que o computador proporciona... mas tudo nasce da ponta dos lápis que compro no Zaffari da esquina... 
Porém antes de eu receber o meu diploma eu fui desenhista de alguns arquitetos... pelo início dos anos 2000, nos últimos escritórios em que trabalhei, eu já usava basicamente o AutoCad... porém no meu primeiro estágio, no verão de 1998, eu era um desenhista old school: papel vegetal, prancheta inclinada com régua paralela, canetas nanquim Staedtler (estojo recarregável da 0,1 à 1,2)... normógrafo e aranha para desenhar as letras e os números, gilete para apagar os pequenos erros ou para corrigir com “bacalhaus” os erros maiores, fita mágica, esquadros, compasso, curva francesa e para finalizar, copos de cafezinho com solvente até a boca onde eu deixava as penas das canetas de um dia para o outro e assim evitava entupimentos... mas eu confesso, eu fui um péssimo desenhista... levava dias para terminar a planta baixa de um pavimento... minhas letras ficavam todas tortas... às vezes eu encostava a pena da caneta na borda do esquadro e fazia uma poça de nanquim na planta... enfim, eu era um desastre!!! MAS, tenho o maior orgulho em dizer que trabalhei à moda antiga.... 
E se a minha experiência com o nanquim veio em 1998, no inverno de 1997 eu já estava pelas salas de aula da FAU/PUC.RS e a minha lembrança mais remota é de uma aula do professor Paulo Regal... acho que era a primeira ou segunda semana de aula e o exercício que nos foi proposto era desenhar, à mão livre, linhas retas e paralelas entre si de extremidade à extremidade de folhas tamanho A3... primeiro no sentido menor da folha, depois no sentido maior... na diagonal... círculos concêntricos... de cabeça para baixo e assobiando... BAH... se teve algum dia que eu voltei para a casa pensando se eu deveria mesmo seguir na faculdade de Arquitetura, o dia foi esse... que horror... nenhuma das minhas linhas ao menos se parecia com o que deveria ser e paralelismo não era parte do meu vocabulário... ainda bem que o mestre Regal teve muita paciência e também mentiu bem o suficiente para fazer eu acreditar que eu tinha jeito para a coisa... 
Ainda mais remota que essa minha recordação das aulas de Expressão Gráfica na PUC é uma lembrança de uma tarde de calor no litoral gaúcho... meu avô estava tentando conversar com um velho amigo dele e eu, no alto dos meus 6 ou 7 anos de idade, estava honestamente tentando ter um pouco de atenção... e em determinado momento o dr. Jacob (meu avô) olha para mim e diz: 
- Alemãozinho, por que tu não desenha um pouco enquanto eu converso com o fulano?....  
- Vô, eu não tenho papel e nem caneta!!! 
- Desenha na areia...
- Não vô, na areia não gosto... (criança, às vezes, tem o dom da chatice)
- Então, alemãozinho, desenha no céu... usa a ponta do dedo e desenha no céu...
Meu avô não tinha a menor idéia, mas aqueles foram os meus primeiros desenhos de arquitetura... porque arquiteto não desenha na tela do computador ou em folhas de papel... arquiteto desenha no céu.
* Ilustrando a postagem algumas fotos que tirei por aí.
** Hoje, 24 de fevereiro, seria aniversário do dr. Jacob Lerner... uma pena que ele tenha ido sem saber que eu segui desenhando no céu, como ele me ensinou. Saudade vô.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Os Três Porquinhos

No tempo do era uma vez havia três porquinhos que moravam juntos, Cicero, Heitor e Gerson... um dia eles resolveram que cada um deveria ter a sua casa. Pertinho de onde eles moravam havia um condomínio de casas meio ripongas... tudo muito ecológico e sustentável... Cícero alugou ali uma casinha feita de bambu e sisal.... Heitor alugou a casa ao lado, toda construída com madeira de reflorestamento... já Gerson não quis saber daquelas casinhas e alugou uma casa de tijolos e concreto armado próxima dali... ele era muito esperto... 


No verão passou por ali um lobo faminto e este logo viu Cícero tomando sol no seu quintal... o lobo viu ali o seu almoço e saiu correndo para tentar pegar o porquinho, mas esse conseguiu escapar para dentro de casa... então o lobo soprou... soprou... e pouco antes da casa de bambu desmoronar Cícero saiu pela porta dos fundos e foi para a casa do Heitor... 
O lobo foi atrás e bateu na porta, mas Cícero e Heitor eram porcos e não jumentos, então eles não abriram... o lobo novamente soprou... soprou... e a casa de madeira também caiu... no meio da bagunça os dois porquinhos correram e foram até a casa do Gerson...  
Novamente o lobo saiu correndo atrás dos porquinhos e chegando na casa ele gritou: “abram a porta e me deixem matar a fome... só preciso comer um de vocês... se vocês não abrirem eu vou soprar, soprar e derrubar essa casa também...”. 

Cicero e Heitor estavam apavorados, mas Gerson tentou tranquilizar os amigos: “Vocês podem ficar tranquilos, a minha casa é de material e lobo nenhum vai derrubá-la... ainda mais depois da reforma que eu fiz...”. Gerson era muito esperto... 
Eles não deram bola para o lobo, então este soprou... soprou... e a casa veio abaixo, soterrando os três porquinhos e saciando a fome do lobo.... Gerson era muito esperto, tão esperto que não contratou um Arquiteto ou um engenheiro para fazer a tal reforma.
FIM.
Foto de Wilton Junior/AE
Com porquinhos essa história já não tem a menor graça, com pessoas ela se transforma em uma tragédia como a que aconteceu essa última semana no centro do Rio de Janeiro. Um edifício de vinte pisos veio abaixo e derrubou junto dois prédios vizinhos... 
Ainda não se tem certeza sobre a causa disso, mas a hipótese mais forte até o momento é que uma reforma feita sem projeto ou responsável técnico (Arquiteto ou engenheiro civil), em um dos pavimentos do prédio, desestabilizou a estrutura do prédio e ocasionou esse trágico acidente. O número de mortos deve passar de vinte, os prédios eram de uso predominantemente comercial e o desmoronamento ocorreu à noite... senão o número de vítimas seria ainda maior.
Agora vêm as perguntas, quem não conhece alguém que reformou ou construiu algo sem contratar um profissional habilitado para projetar e acompanhar a obra? Como as prefeituras fiscalizam isso? Qual a efetiva punição para quem é flagrado em uma situação, de exercício ilegal da profissão, como essa? O que os conselhos profissionais estão fazendo para mudar isso?

Talvez tenhamos sorte que tragédias como essa não ocorram mais seguido... afinal, algumas pessoas são muito espertas... 
Link para reportagem sobre a tragédia ocorrida no centro do Rio:

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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Shofar Center - Daniel Libeskind em Porto Alegre (ou então, Quem é melhor do que o arquiteto gaúcho?)

Meu avô acordava diariamente às 5 e pouco da manhã, cevava um mate, lia a ZêAgá e só depois o dia dele podia começar (para quem não é gaúcho, cevar um mate = preparar um chimarrão; ZêAgá = Jornal Zero Hora, o principal do Rio Grande do Sul). Eu tive o privilégio de compartilhar esses momentos algumas vezes e volta e meia repito o ritual, é um jeito de alimentar certas lembranças que são importantes para mim...  

E foi em uma dessas madrugadas (precisamente 12 de novembro de 2011) que abri a ZêAgá e na capa do caderno Cultura haviam três croquis e o seguinte texto: “Responsável pelo projeto da Torre da Liberdade, a ser erguido no lugar das Torres Gêmeas, o arquiteto polonês-americano Daniel Libeskind desenha (sic) centro cultural para Porto Alegre”.
Na página central encontrei uma matéria ricamente ilustrada explicando que no dia 21 daquele mês seria apresentado o projeto do Shofar Center, um centro comunitário e cultural vinculado à organização judaíca-ortodoxa Beit Lubavitch assinado pelo famoso arquiteto do Museu Judaico de Berlim...
Um prédio de quatro pisos e muita simbologia... as aberturas externas remetem ao alfabeto hebraico e no interior há um átrio com formas sinuosas que lembram um shofar, instrumento de sopro -feito com um chifre de carneiro- usado em ritos religiosos... esse átrio une todos os pavimentos e sob uma cobertura de vidro se abre ao céu... 
A obra deverá abrigar auditório, ateliês, biblioteca, museu e um centro de convenção... no terraço haverá um belo jardim coberto por uma estrutura cujo as linhas formam estrelas de David estilizadas, muito parecida com a cobertura da ampliação do Museu de Berlim... 
Quando perguntado se nesse projeto havia algo especial entre tudo que ele já havia feito, Libeskind respondeu: “Oh, muito especial. Acho que nunca fiz um projeto como este. Eu diria que, no núcleo do projeto, há uma luz que não como a de qualquer outro prédio que fiz (...). Este não é um prédio que eu tenha feito antes. Não é um museu, não é apenas sobre história, sobre memória, é sobre abraçar a alegria que esta construção trará.”
Buenas, creio que a maioria de vocês deve estar pensando “UAU... Porto Alegre já tem uma obra do Siza e agora vai ter uma obra do Libeskind... os Arquitetos gaúchos devem estar faceiros com isso...” pois é, mas não foi bem assim... de forma discreta houve um burburinho questionando a escolha do profissional, questionando a qualidade do projeto e também sugerindo que projetos como esse sempre fossem fruto de concurso público...  Esse tipo de questionamento já havia ocorrido na época do projeto realizado pelo Alvaro Siza para a Fundação Iberê-Camargo... 
É interessante, talvez por Porto Alegre estar longe demais das capitais alguns arquitetos gaúchos pensem que não há outras arquiteturas (e nem outros arquitetos) e ao invés de aproveitarem a oportunidade de aprendizado e de crescimento e ficarem gratos com o espaço que a Arquitetura está tomando na cidade... eles preferem ficar resmungando feito guri de colégio e de forma contraditória enchem as nossas ruas com uma arquitetura cada dia mais medíocre.
Para quem quer mais informações: 
http://www.youtube.com/watch?v=2L4fFX5-_Zk - vídeo de apresentação do projeto.
http://daniel-libeskind.com/ - site do arquiteto.
http://www.chabadpoa.org/templates/articlecco_cdo/aid/1699870/jewish/Shofar-Center.htm - site da organização judaíca-ortodoxa Beit Lubavitch, com várias informações sobre o Shofar Center-Porto Alegre.

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P.P.S.: Prometo que logo sigo com a séria-série sobre o TFG... e costumo ser um guri de palavra, às vezes sou distraído, talvez esquecido... mas sempre de palavra.