quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Por favor, façam silêncio :: Tate Modern [Herzog & de Meuron, Londres]

“Viajas para reviver teu passado? - era, a essa altura, a pergunta de Kan, que poderia também ser formulada assim: Viajas para encontrar teu futuro?
E a resposta de Marco: Os lugares são um espelho em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu ao descobrir o muito que não teve e não terá”
(Italo Calvino, As Cidades Invisíveis)

Cada vez que coloco o pé na estrada eu me dou conta que podem caber em uma vida muitas vidas mais... a cada fronteira que passo percebo que tudo é futuro, que tudo está por fazer e que os caminhos que te levam a parte alguma e os que te levam à sonhar chegam a um mesmo ponto: todo o dia é um recomeço...

E foi nessa peregrinação interminável que eu de repente me vi caminhando no meio da pista do aeroporto de Rotterdam para embarcar em um Fokker 50 com destino à Londres. Para quem não sabe o Fokker 50 é um turbo-hélice holandês com capacidade para mais ou menos cinquenta passageiros... um ônibus com asas que me dava o privilégio de desembarcar no London City, às margens do Tâmisa, praticamente no centro da cidade, o que me permitiu em poucos minutos deixar minha bagagem no hostel e começar a recorrer uma cidade que há menos de uma década havia inaugurado uma série de obras, projetadas em meados dos anos 90, com objetivo de comemorar o novo milênio que estava por vir.
Essas obras foram idealizadas pela Millenium Comission e pagas com recursos da loteria nacional, entre elas estão a famosa London Eye; o problemático Millenium Dome do Richard Rogers, que até hoje tem goteiras... a polêmica Millenium Bridge, projetada pelo sir Norman Foster e que sob o risco de cair teve que ser interditada para receber reforços que não constavam no projeto original... e também a Tate Modern, um museu que custou 135 milhões de libras e se tornou um dos mais importantes Millenium Projects, recebendo em 2011 quase cinco milhões de visitantes.
A história da Tate começa em 1947 quando o arquiteto Gilles G. Scott -o mesmo que foi autor das famosas cabines vermelhas dos telefones públicos ingleses- projetou um enorme pavilhão com estrutura metálica e tijolos aparentes, que de certa forma nos remete a uma imagem meio Déco... meio industrial Vitoriania, para abrigar a Bankside Power Station. Uma usina de energia que foi desativada em 1963 e que apesar da localização privilegiada (hoje, graças à ponte do Foster, cerca de 10 minutos caminhando desde a catedral de St. Paul) não passava de um pavilhão industrial abandonado em East End, assim como os que encontramos em muitas cidades brasileiras.

Em 1995 foi realizado um concurso internacional para escolher o projeto de um novo museu de arte contemporânea e este contou a participação de arquitetos como Renzo Piano, Rem Koolhaas, Tadao Ando, Rafael Moneo. Pelo regulamento o terreno, devido à sua localização e dimensões, era mais importante que o prédio do Sir Gilles e portanto a demolição dele estava liberada... alternativa que foi levantada pelo arquiteto David Chipperfield que propunha a demolição parcial do prédio. Já a dupla de suiços, até então pouco badalada, Jacques Herzog e Pierre de Meuron considerou que não fazia sentido retirar uma montanha para construir uma planície e teve a sensibilidade de perceber que além da qualidade arquitetônica e espacial o prédio existente já fazia parte da paisagem urbana e propuseram uma intervenção minimalista... esse foi o acerto da vida deles, ganharam o concurso e seis anos depois levaram o Pritzker pra simpática Basiléia.

Externamente a intervenção no prédio original só é notada pela grande caixa de vidro que longitudinalmente coroa o prédio e que à noite, quando iluminada, marca a paisagem de Londres. Internamente os arquitetos trabalharam com três espaços principais, o primeiro é o enorme vazio central onde funcionavam as turbinas da usina e que foi transformado em uma espécie de praça coberta; o segundo é um bloco de galerias composto por pavimentos que abrigam salas para exposição intercaladas por espécies de varandas que se abrem para a praça interna; o terceiro são os dois pavimentos que formam o coroamento, onde estão o café, o restaurante e algumas salas administrativas. 

Essa é uma obra que impressiona pela sua elegância e sutileza. É um belissimo exemplo de como a arquitetura contemporânea pode ser ser marcante sem a necessidade de exageros formais como os que temos visto ilustrando as capas das revistas... não é a forma que falamos que muda o conteúdo do que dizemos e o silêncio, muitas vezes, pode mais do que um grito.

Mais informações sobre a Tate, inclusive sobre a duvidosa ampliação também projetada por Herzog & de Meuron.

Como acontece geralmente, as imagens são todas de minha autoria e não tenho nenhuma frescura quando ao uso delas.

Se quiser nos acompanhar no Facebook basta curtir no box ao lado ou ir para www.facebook.com/arquiteturas, lá postamos diversas fotos que não constam no blog.

2 comentários:

  1. Excelente postagem Luciano. Essas fotos dão saudade dos primeiros projetos da dupla Herzog & De Meuron. São projetos tão bonitos, simples, equilibradamente minimalistas e interessantes.
    Não gosto muito dos trabalhos atuais do escritório.
    Acho que você foi muito simpático ao dizer que a ampliação do tate é "duvidosa" haha.
    Você visitou uma obra deles, que foi uma intervenção também, do Caixa Forum de Madri?
    Gostaria de saber tua opinião sobre esse projeto.
    Abraço,
    Fernando

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    Respostas
    1. Fernando, eu tive a oportunidade de visitar um porção de obras deles. Inclusive estive na Basiléia.... confesso que gosto bastante de diversos trabalhos da dupla, a forma como eles tratam a pele dos edifícios me agrada demais e isso vem desde a Vinicola Dominus (95 ???) e suas paredes em gabião.

      Estive por duas vezes no Caixa Forum Madrid, tenho um post engatilhado sobre ele! Os interiores são fantásticos, mas externamente acho terrível a intervenção que foi feita... mas fica uma questão, o prédio estava em ruínas e não é grande + o programa que eles tinham para colocar ali não era pequeno... tenho a impressão que perante essa equação dava para ter feito coisa melhor, mas coisa boa tenho as minhas dúvidas!

      forte abraço
      luciano

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