quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Auf Wiedersehn, Tempelhof.

Tempelhof: vencido pela idade...

No dia 30 de outubro desse ano, o aeroporto de Tempelhof, na área central de Berlim, Alemanha, encerrou suas operações. Seria mais um dia corriqueiro na aviação, onde aeroportos antigos e defasados, ou em situação urbanística complicada, fehcam as portas em detrimento de instalações mais novas, em dia com a evolução tecnológica do setor e melhor localizados em relação às áreas urbanas mais povoadas. Afinal, Berlim é bem servida de aeroportos, com Schoenfeld e Tegel dando conta do recado, de modo que Tempelhof ultimamente recebia apenas vôos regionais e a chamada aviação geral (vôos não-regulares, táxi aéreo, jatos executivos, etc.), alem de abrigar mui discretas instalações militares americanas (leia-se base de operações da CIA em Berlim).

Bem... seria. Mas o fechamento de Tempelhof teve um significado maior.

Definido por Lord Foster, autor de proeminentes projetos na área, como “a mãe de todos os aeroportos”, Tempelhof assombra pela sua monumentalidade. O prédio principal, que abriga desde o terminal de passageiros e áreas administrativas até hangares e áreas de manutenção, estende-se, em um imenso semicírculo, por mais de 1.200 metros, com altura de 6 andares. Figurou, durante muitos anos, entre os 20 maiores edifícios da terra. Junto ao pátio de aeronaves, há uma gigantesca cobertura em estrutura metálica, em balanço, sob a qual até mesmo jatos já modernos da década de 70 podiam estacionar, possibilitando o desembarque dos passageiros a salvo das intempéries, algo inédito até então. Hoje, quando muitos aeroportos possuem pontes de embarque, que levam o passageiro diretamente do terminal para dentro do avião, não parece algo relevante. Em 1941, acreditem: Era o último grito.

A impressionante cobertura em balanço: Um "must" em 1941

Ainda assim, em toda a sua monumentalidade, Tempelhof oferecia aos passageiros que por lá passavam um ambiente surpreendentemente intimista e aconchegante. O grande lobby do terminal, revestido em materiais requintados e com seu mobiliário um tanto racionalista, misturando aço e madeira, remete à era romântica da aviação, quando voar era privilégio de poucos, constituindo-se em um artigo de luxo.

O aconchegante terminal de passageiros

Tempelhof, como vocês já devem imaginar, fazia parte dos ambiciosos planos de Hitler. O prédio principal e algumas edificações vizinhas seriam uma espécie de “porta da Europa”, em sua mega-capital mundial, “Germania”. Albert Speer, arquiteto de Hitler, incumbiu o prof. Ernst Sagebiel (também responsável pelo projeto da suntuosa sede do Ministério dos Transportes Aéreos) de reformular o antigo aeroporto que ali existia, surgindo então uma das obras mais emblemáticas da arquitetura do III Reich.

Planta geral do edifício principal e outras edificações adjacentes: Parte do ambicioso plano do "führer".

Curiosamente, Tempelhof não teve uso militar intenso durante a II guerra mundial, a não ser em situações esporádicas. Mas, em suas instalações, foram montados bombardeiros “Stuka” e caças “Focke-Wulf”, com peças trazidas de várias partes da cidade através de uma engenhosa rede de túneis. Em 1945, no apagar das luzes do conflito, o aeroporto foi tomado por tropas russas, seguindo-se uma sangrenta batalha com a temida “Luftwaffe”, a força aérea alemã, durante a qual o comandante alemão que recebeu ordens para explodir o aeroporto preferiu tirar a própria vida a seguí-las. Os russos tentaram desocupar os cinco níveis inferiores (incluindo três subsolos) do prédio principal, mas as perdas já haviam sido grandes entre as tropas e os alemães haviam colocado minas por toda a parte. A solução dos russos foi inundar os níveis inferiores, condição em que se encontram os três subsolos até hoje, e assim devem permanecer, devido à grande quantidade de minas não detonadas.

Foi poucos anos mais tarde, em 1948, que Tempelhof protagonizou um dos episódios mais importantes de sua história. Alegando dificuldades técnicas, tropas russas controlando a alemanha oriental impediram todas as ligações terrestres com Berlim Ocidental, restando apenas as rotas aéreas que levavam a Tempelhof, então único aeroporto da cidade. Assim, nos próximos 11 meses, 2,5 milhões de berlinenses ocidentais dependeriam única e exclusivamente dos mantimentos que chegavam por Tempelhof, nas asas das forças aéreas das potências ocidentais. Um batalhão da força aérea americana chegou a ficar sediado lá durante este período para coordenar esta operação que praticamente garantiu a sobrevivência da cidade até 1949 quando acordos puseram fim ao bloqueio terrestre. A tensão entre o ocidente e os soviéticos só aumentaria nos anos seguintes, culminando com a construção do muro de Berlim, em 1961.


DC-3 da USAF descarregam mantimentos em Tempelhof, durante o bloqueio terrestre a Berlim Ocidental: Aeroporto garantiu a sobrevivência da cidade.

É em especial por este último episódio que a cidade de Berlim nutre sentimentos ambígüos em relação ao aeroporto de Tempelhof. Os alemães de um modo geral, têm um sentimento de culpa e rejeição a tudo que lembre o infeliz legado do país na II guerra, cuja intensidade é difícil para quem não é alemão entender. Mas pergunte a um berlinense idoso, que tenha crescido no lado ocidental, o que ele acha de Tempelhof. Freqüentemente, você ouvirá frases como “devemos nossa vida àquele aeroporto!” Por isso a perspectiva de fechamento (“demolição” não foi sequer mencionada) do aeroporto gerou uma grande comoção na cidade. Ainda assim, essa foi a decisão, e ainda permanece incerto o destino de suas instalações. Eu, como entusiasta da aviação, gostaria de ver um belo museu lá.

Conversando com um hamburguês, que também trabalha com aeroportos, e que me questionou por quê eu tinha uma bela foto de um DC-3 estacionado em Tempelhof como “wallpaper” no meu laptop, respondi-lhe que o aeroporto era histórico, por sua arquitetura e por sua importância para a cidade (sobre a qual fui procurar saber mais depois dessa conversa), e que era uma pena fechá-lo, o que eu já sabia que iria acontecer dentro de poucas semanas. Ele concordou, mas acrescentou: “Entretanto, crescemos com a culpa. Não sabemos se esse é exatamente o tipo de história que queremos preservar”.

Um comentário:

  1. Tchê, melhor post do ano... sensacional mesmo!!! Te confesso que nem sabia da existência deste gigante tão cheio de história...

    E acho que não vão demolir ele, esse papo de demolir obras prontas é para país rico, como o Brasil...

    abraço

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