segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Causos Arquitetônicos - o tal greenbuilding e a arquitetura sustentável...

arquitetura sustentavel greenbuildingAlgum tempo atrás linkei uma entrevista do Glenn Murcutt e outra do Souto de Moura que (in)diretamente falavam sobre a sustentabilidade na arquitetura ser um princípio básico de projeto e uma responsabilidade do profissional e não uma coisa extraordinária que serve mais como ação de marketing para um mercado imobiliário sedento por novidades...

Vou contar para vocês um causo que foi presenciado recentemente por um amigo, só para ilustrar um pouco como isso às vezes é tratado no mercado:

Projeto de um empreendimento comercial no interior no Rio Grande do Sul, aproximadamente 6 mil metros quadrados e uma intenção de estampar um selo da USGBC no material de venda... e para isso,  entre outras soluções que valem ponto no sistema LEED, seria adotado o aproveitamento da água da chuva para lavagem dos pisos externos e para irrigação da grama e dos jardins e o empreendimento também contaria com uma estação de tratamento de efluentes (ETE), tratando todas as águas negras e cinzas e aproveitando a água tratada pela ETE somente para os vasos sanitários.

Até aqui tudo ok, até que alguém levantou a seguinte questão: pelos cálculos realizados, levando em conta indíces pluviométricos e as áreas a serem lavadas/irrigadas, o reservatório para água da chuva deveria ter entre 5 e 7 mil litros... paralelamente a ETE realizando o tratamento de todas as águas cinzas e negras e abastecendo apenas os vasos sanitários estaria aproveitando apenas 30% das águas servidas tratadas e os outros 70% seriam encaminhados para a rede pública de esgoto pluvial.... e estes 70% equivalem a bem mais de um mês de água da chuva recolhida para uso na irrigação....

Então surgiu a dúvida, por que não utilizar também a água tratada pela ETE para irrigação do jardim e eliminar o recolhimento e uso da água da chuva? Já que seria jogada fora mais água tratada pelo ETE do que água recolhida pela chuva e que o gasto de todo o sistema de recolhimento e bombeamento da água da chuva se tornaria inutil e por isso contrário a qualquer conceito sóbrio de sustentabilidade e de bom senso....

Será que alguém seria (in)justo e responderia: Para quem tem a sustentabilidade só como ação marqueteira é melhor gastar recursos por nada do que deixar de pontuar no LEED e perder a chance de fazer propaganda com um selo bonitinho no material de venda...

Não... claro que ninguém seria injusto assim...

12 comentários:

  1. Adorei o post. Esse é justamente o tema da minha tese, essa tal de Leed vendendo o discurso "sustentável" me causa náuseas, ainda mais tentando entrar no nosso mercado de modo totalmente inadaptável. É importante abrir o olho da galerinha que está comecando e comprando a conceito 'Green Building' como sinónimo de sustentabilidade.
    Beijinhos Luciano, ótima semana prá gente

    ResponderExcluir
  2. Olá Luciano! Lembro de vc já ter comentado no meu blog...
    Eu li esse post que vc faz referência, mas não lembro se comentei algo...
    Concordo com vc qd diz que a sustentabilidade é algo que deve, necessariamente, fazer parte da arquitetura. Mas vc deve concordar comigo que nos afastamos disso consideravelmente, onde numa sociedade o que importa é o dinheiro e não a sustentabilidade. Já estamos há muito tempo sendo insustentáveis, tanto na arquitetura quanto no nosso modo de vida.
    Creio que alguns artifícios como o Leed são interessantes para nos reaproximarmos do que deveria ser arquitetura de verdade (com sustentabilidade), mas sei tb que o que acontece é que o marketing está se tornando o mais importante. O que falta é análise crítica (como vc bem exemplificou no seu post), é entender para que veio o Leed e outras certificações. Tenho dúvidas se realmente essas certificações vieram para isso, mas concordo que é nisso que estão se tornando: selos de marketing. E assim, voltamos ao dinheiro e esquecemos (mais uma vez) a sustentabilidade.

    Bom...parabéns pelo blog!
    Abçs

    ResponderExcluir
  3. Como já disse... construir "green" de verdade no Brasil (usando parâmetros e normas americanas, diga-se de passagem) custa caro. Infelizmente. Falta adaptar essa filosofia bonitinha à nossa realidade.

    O que, com recursos naturais e climáticos que temos, convenhamos: não há de ser difícil.

    ResponderExcluir
  4. Cristiana, é realmente triste ver coisa séria sendo tratada como mercadoria e mais triste ainda algumas pessoas "do bem" serem ludibriadas por selos internacionais comprados como estratégia de marketing... claro que não estou generalizando, existem também aquelas empresas que são sérias e buscam melhorar o mundo em que vivemos e se apoiam (talvez erroneamente) em certificações internacionais de pouca aplicabilidade para nossa realidade latino-americana.

    abraço
    boa semana

    ResponderExcluir
  5. Carol, concordo contigo que de modo geral os arquitetos (principalmente os que abastecem o mal falado mercado imobiliário) se afastaram de conceitos básicos de sustentabilidade nos seus projeto. Assim como se afastaram de conceitos básicos de forma e beleza e algumas vezes até da lógica estrutural e da funcionalidade...

    Se analisarmos obras do Rino Levi, dos irmãos Roberto e de quase todos os destaques dessa geração de quando o brasil era moderno, vamos perceber facilmente que as preocupações com insolação, ventilação, sombreamento, ilhas de calor, telhados-jardim... eram bem maiores do que na produção arquitetônica atual e ainda há quem condene o moderno.

    Quanto ao LEED, AQUA e companhia... eu concordo contigo que em parte eles são uteis, mas que sem uma análise crítica eles mais prejudicam do que ajudam, esse exemplo que citei no post é real e de verdade vai ser implementado todo um sistema de recolhimento e bombeamento de água da chuva por nada... ou melhor, por pontos no sistema de certificação. A mesma norma de certificação que também pede um bicicletário... olha, para a realidade européia e norte americana isso até pode ser legal, para a realidade brasileira o cara ou é assaltado ou é atropelado... Isso para não entrarmos na discussão que a LEED não valoriza a solução arquitetônica em si, mas sim os acessórios que tu colocas no prédio... ou seja, dá para fazer um projeto sem praticamente nenhuma previsão de ser um greenbuilding e depois do projeto pronto enfiar uma série de equipamentos e soluções e dizer que é um projeto sustentável... o que isso agrega de real valor às nossas cidades?

    E por fim, concordo plenamente contigo que deixamos de ser sustentáveis... do que adiante a obra utilizar apenas madeira certificada e o comprador do caro apartamento (greenbuilding no brasil é mercadoria de luxo, ou não?) exibir orgulhoso a sua mesa de pau brasil recém comprada? Do que adianta a edificação utilizar as águas da chuva para lavar os pisos da garagem se o proprietário esquece aberta a torneira desperdiçando água tratada e potável? E por aí segue o baile...

    Obrigado pela visita!

    ResponderExcluir
  6. Gabrielito, na verdade o que custa caro é implementar sistemas gringos que dão selinhos... porque as pequenas práticas custam barato e são facilmente esquecidas: orientação solar adequada, minimizar movimentações de terra, uso adequado de materiais, ventilações cruzadas, fachadas orientadas para o norte e/ou oeste com a devida proteção solar... tudo isso é bom senso na hora de projetar e custa pouco, o foda é que não dá selinho algum.

    ResponderExcluir
  7. Mas isso é o básico! eu aprendi lá pelo quarto, quinto semestre...

    ResponderExcluir
  8. Fala Luciano...estamos no escritório construindo o Rochaverá...saiu na AU no mes passado se nao me engano...será o primeiro a ter o certificado green no Brrasil...da trabalho e custa bem caro...

    ResponderExcluir
  9. Gabriel, de repente por ser tão básico o pessoal já não está dando bola...

    ResponderExcluir
  10. Ricardo, achava que o primeiro LEED do Brasil era uma agência do Banco Real...

    Quanto a dar trabalho e custar caro, eu sei bem como é... eu trabalho com projetos green, utilizando LEED, AQUA... por isso que tenho tanta segurança em criticar os critérios gringos...

    Aproveito pra te perguntar, quais as mudanças na concepção arquitetônica que foram realizadas para que o Rochaverá seja considerado "green"?

    abraço
    luciano

    ResponderExcluir
  11. Bem...falta adaptar isso a nossa realidade e, é verdade, o básico como vc e o Gabriel lembraram pode fazer muito por uma arquitetura de qualidade, infelizmente, isso não conta pontos...

    Também estou tendo a oportunidade de desenvolver um projeto para a certificação Leed de águas pluviais e o que acontece lá é que eles exigem, no caso, que a mesma quantidade de água de chuva que o terreno hoje absorve (terreno sem a construção), seja retida depois da construção do projeto. Ou seja, evita-se uma enxurrada de água vinda do terreno em dias de chuva (além dos alagamentos de ruas). Não quero justificar o exemplo que vc citou no post e entendo que a discussão é bem maior (como vemos nos comentários), mas pensando desse ponto de vista o recolhimento da água de chuva (e talvez o seu uso) seja positivo.

    Abçs

    ResponderExcluir
  12. Eu concordo contigo Carol quanto a necessidade de evitar sobrecarga na rede pública pluvial, mas isso é uma questão específica de cidade para cidade... por exemplo, no caso que eu conto o empreendimento obrigatóriamente tem uma bacia de retenção de água da chuva, ou seja uma cisterna gigante que tem o objetivo exatamente de retardar o envio da água para a rede pluvial e evitar alagamentos na cidade...

    Acho que o grande ponto é tua primeira colocação, o básico não conta pontos...

    E não custa lembrar que é possível certificar uma edificação como sustentável só com acessórios, sem ter um projeto arquitetônico sustentável, e isso é o que mais incomoda na questão dos "selinhos"

    ResponderExcluir