domingo, 30 de novembro de 2008

Momento Pipoca: Vicky Cristina Barcelona

Eu devia ter uns 10 anos quando eu e minha mãe fomos ao cinema ver Zelig, de Woody Allen, com meu pai. Lá pela metade do filme ela não aguentou (eu, então, nem se fala) e “pediu pra sair”. Esperamos lá fora, comendo uma pipoca em frente ao Cine Capitólio, vendo a vida passar pela Av. Borges de Medeiros, numa tarde ensolarada de sábado. Talvez esse episódio esteja na origem da minha implicância com ele (Woody, não meu pai). Enquanto a crítica especializada o incensava incondicionalmente e meu pai fazia coro, sempre achei os filmes de Woody Allen um porre. Talvez devesse ter assistido mais. Talvez devesse ter visto alguns novamente, coisa que faço com freqüência. Um espaço de 10 anos entre uma “sessão” e outra pode mudar totalmente a compreensão de um filme, aprendi isso.

De uns tempos pra cá, Woody, notório tarado e pervertido, parece ter se reencontrado. A explicação não pode ser outra, já que ela está presente em praticamente todos seus filmes mais recentes que, embora os críticos não concordem e continuem a exaltar obras passadas suas (ainda não perguntei ao meu pai o que ele acha), estão entre os seus melhores: Scarlett Johansson. Ela e aquela sua boca indecente. Ela e aquele seu sutil problema de coluna, que cria curvas onde não haveria nenhuma. Ela e aquela sua voz rouquinha. Ela e seu misto de sem-vergonhice e candura na medida certa. Ah sim, ela e seu talento. Como se não bastasse tudo isso, ela o tem.

No entanto, Vicky Cristina Barcelona, última incursão de Woody Allen pela telona, vai muito além de um pano de fundo estiloso para sua nova musa inspiradora desfilar, como foi o caso do fraco “Scoop – o grande furo”. Até porque essa está longe de ser uma das melhores atuações da menina, que no entanto não chega a decepcionar. Mas o “conjunto da obra” agrada, e muito. Desde a acertada escolha do elenco, com o casal Javier Bardem / Penélope Cruz protagonizando cenas antológicas, passando pelo bom andamento e ritmo, pontuado pela fotografia inspirada, que reverencia a bela Barcelona (como desejavam os investidores locais que financiaram o filme, a fim de promover a cidade), até a ironicamente didática narrativa “em off” das peripécias das duas turistas americanas na frenética cidade espanhola. Aliás, essa última expressão é um ponto de partida que, por si só, soa vazio e cheira a fracasso, e que Woody Allen conseguiu com maestria transformar em um bom filme, fazendo o que muitos dizem ser o seu melhor: Uma divertida e inteligente comédia.

Penélope Cruz rouba a cena, como a tresloucada María Elena.

O destaque em Vicky Cristina Barcelona vai, sem dúvida, para Penélope Cruz. No auge do talento e da beleza, que sobrevive à degradação do personagem e seu figurino desleixado, a espanhola rouba a cena na pele da tresloucada e auto-destrutiva María Elena, ex (pero no mucho) mulher do pintor e “bon vivant” Juan Antonio (Bardem, também competente). Ambos enveredam por divertidíssimas e confusas discussões, oscilando entre o inglês e o espanhol, as quais não raro terminam em agressão, às vezes física. Juan Antonio, aliás, explica, no início do filme, enquanto decide qual das duas princesinhas nova-iorquinas irá seduzir primeiro, que o motivo da separação foi justamente a doida tê-lo esfaqueado nas costas.

As duas “turistas” que dão título ao filme, e as diferenças entre elas, também preenchem bem a narrativa e valem o ingresso. Vicky (Rebecca Hall, grata surpresa) é uma caretona de carteirinha, de casamento marcado com um “yuppie” mais careta ainda, embora ela seja também um vulcão de sensualidade reprimida. Já Cristina (Johansson) é a porra-louca, espontânea, desencanada, artista, aspirante a fotógrafa, disposta a experimentar o que lhe passar pela cabeça ou o que lhe colocarem na frente. Como é de se imaginar, Cristina se sentrirá em casa em Barcelona, pintada por Allen como uma espécie de paraíso dos “free thinkers”, enquanto a travada Vicky, às voltas com seu pomposo “mestrado em identidade catalã”, deixa transparecer uma certa inveja pelo desprendimento da amiga e logo se verá em uma sinuca de bico, quando percebe sua vida perfeitinha e milimetricamente planejada levando uma bela e inesperada rasteira.

Cristina (Johansson), ciceroneada pelo "bon vivant" Juan Antonio (Bardem) e totalmente à vontade entre os "free thinkers" de Barcelona.

Alguns coadjuvantes de peso, como Patricia Clarkson (a anfitriã das meninas), completam o escrete de Woody Allen para esta pérola de seu “segundo auge”, como está sendo chamada sua fase atual. Eu, como fã da ”automobilia” clássica italiana, não pude deixar de admirar também a bela Alfa-Romeo Spider vermelha, provavelmente 1968, talvez uma alusão ou homenagem ao clássico A primeira Noite de Um Homem. Bem, contar mais é estragar a surpresa. Fica aqui a dica desse que já é o Woody Allen de maior sucesso na semana de estréia no Brasil em todos os tempos.

6 comentários:

  1. Cara esse teu texto tá tão bom... que se não fosse tão difícil manter um só blog eu ia te propor um blog só de cinema hehehehehe... agora tua dívida de posts diminuiu, falta o do Fountainhead e o do aeroporto de Berlim... alias, comprei o livro que originou o Fountainhead... consegue ser muito melhor que o filme

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  2. Para Gabriel - Quero muito ver esse filme, ainda mais depois do post, muito bom mesmo!!
    Para Luciano - Te explico o post: Sabe aqueles dias que tua vida precisa de alegriazinhas simples, sem ter que pensar muito? Bom, uma foto de Brad resolve um pouco a questao... hehe... prometo posts mais arquitectonicos da próxima vez. O projeto é bom mesmo, me alegra o coracao!
    Beijos!! Cristiana

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  3. Eu gosto de escrever, mas às vezes falta de tempo... heheh...

    Tempelhof sai na quinta, aguardem.

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  4. Eu fiquei no pé dele até ele publicar... além de todas as outras funções, fiscal de blog, pode?

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  5. Boa Ane, ele diz que é falta de tempo, mas é preguiça mesmo... porque eu sei que no fundo, bem no fundinho ele gosta de escrever pro blog...

    Aliás, tu não quer te tornar uma correspondente especial do blog e participar às vezes também? :)

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  6. Hehe, só em assuntos bem polêmicos que são a minha especialidade! Mas sério, como tu bem disseste, é difícil manter "UM" blog, mas meto o bedelho por aqui sempre que posso...

    O Gabri adora escrever, o que faz muito bem, melhor do que muito "profissional" que anda por aí.
    :-P

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